A Arqueogastronomia como Instrumento de Preservação Cultural,

 

Fonte do Pesquisador & Investigador Marcos Lôbo,

A Arqueogastronomia como Instrumento de Preservação Cultural: Reflexões a partir da Descoberta de Pães Mumificados no Sertão Baiano

Marcos Lôbo Nascimento
Pesquisador & Investigador Independente em Gastronomia Ancestral.


RESUMO

Este artigo propõe uma reflexão sobre os vínculos entre arqueologia e gastronomia, partindo da descoberta de pães mumificados no sítio arqueológico Garimpo Prateado, na Bahia. A preservação dos pães, atribuída à presença de cinzas no forno, levanta hipóteses sobre os processos químicos e físicos envolvidos em técnicas tradicionais de conservação alimentar. Ao questionar quais elementos naturais teriam contribuído para esse fenômeno, este estudo propõe que a arqueogastronomia seja uma ferramenta de resgate da história alimentar e das práticas culturais esquecidas. A partir de uma abordagem interdisciplinar, o artigo sugere que a união entre ciência e cultura é essencial para compreender e valorizar os saberes ancestrais.

Palavras-chave: Arqueogastronomia. Pães mumificados. Conservação alimentar. Tradições culinárias. Ciência e cultura.


1 INTRODUÇÃO

A história da alimentação humana é também a história da criatividade e adaptação cultural. Por meio da gastronomia, povos antigos desenvolveram formas de preparar, conservar e transformar os alimentos disponíveis em seu ambiente (MONTANARI, 2008). A arqueologia, ao investigar os resíduos materiais dessas práticas, fornece elementos valiosos para a compreensão das dinâmicas alimentares das civilizações passadas (CARDOSO, 2001).

No entanto, a gastronomia tem sido pouco valorizada como campo de estudo dentro da arqueologia brasileira. Casos como a descoberta de pães preservados por mais de 80 anos no sítio Garimpo Prateado, na Bahia, abrem caminhos promissores para essa intersecção de saberes (LIMA et al., 2023). Este trabalho propõe discutir como a arqueogastronomia pode se tornar uma ponte entre ciência, cultura e memória.


2 OBJETIVOS

Este artigo tem por objetivo:

  • Investigar as possíveis causas da conservação dos pães encontrados no forno do Garimpo Prateado;
  • Levantar hipóteses sobre os ingredientes e técnicas tradicionais utilizados na sua produção;
  • Estimular o diálogo entre arqueologia, gastronomia e ciência dos alimentos;
  • Propor a arqueogastronomia como ferramenta de resgate do patrimônio alimentar ancestral.

3 DESENVOLVIMENTO

A descoberta dos pães ocorreu em escavações realizadas por pesquisadores da Universidade Estadual da Bahia (LIMA et al., 2023). Os pães estavam alojados nas cinzas de um antigo forno e apresentavam características de mumificação: ausência de fungos, umidade ou sinais de decomposição. Tal fenômeno chama atenção não apenas pela raridade, mas pelas possíveis explicações químicas e culturais que o envolvem.

A composição da cinza, resultante da queima de madeiras regionais, pode conter substâncias minerais como cálcio, potássio e fósforo, que atuam como conservantes naturais (SILVA; NASCIMENTO, 2022). Além disso, a ausência de oxigênio no interior do forno e a rápida desidratação podem ter contribuído para a integridade física dos pães.

Outro ponto importante é o tipo de pão encontrado, similar ao “pão de cesto”, tradicionalmente preparado com farinha local e fermentação espontânea (LIMA et al., 2023). A continuidade dessa tradição até os dias atuais aponta para um elo entre passado e presente, que a arqueogastronomia pode explorar.

Estudos sobre a química dos alimentos mostram que alguns compostos presentes em cinzas vegetais podem criar barreiras contra microorganismos, retardando processos de deterioração (CASTRO, 2012). Estudar esses elementos com rigor científico — incluindo análises laboratoriais das cinzas, dos resíduos de massa e da madeira utilizada — permitirá maior compreensão sobre como sociedades do passado lidavam com a alimentação, a escassez e a preservação de alimentos. A partir disso, podemos reconstituir parte da memória alimentar brasileira.


4 CONCLUSÃO

A arqueogastronomia emerge como um campo fértil de investigação, capaz de integrar ciência, cultura e história. A descoberta dos pães mumificados no sertão baiano não é apenas um dado arqueológico, mas um convite ao aprofundamento sobre como técnicas simples, como o uso de cinzas e fornos rústicos, podem conter respostas valiosas sobre sustentabilidade e memória alimentar (SILVA; NASCIMENTO, 2022).

Além de valorizar o conhecimento tradicional, esse tipo de estudo fortalece a identidade cultural brasileira, especialmente em regiões onde a oralidade e os modos de vida tradicionais ainda resistem. Assim, reforça-se a importância de olhar para o passado não apenas como registro morto, mas como fonte de aprendizado e inspiração para os desafios alimentares do futuro (MONTANARI, 2008).


REFERÊNCIAS

CARDOSO, C. F. Arqueologia e história: uma abordagem integrada. São Paulo: Contexto, 2001.

CASTRO, J. F. A química na cozinha: dos alimentos aos processos. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2012.

LIMA, A. M. et al. Pães mumificados encontrados na Bahia: uma janela para a arqueogastronomia. Relatório técnico. Salvador: UNEB, 2023.

MONTANARI, M. Comida como cultura. São Paulo: Senac São Paulo, 2008.

SILVA, M. A.; NASCIMENTO, M. L. Cinzas e conservação: aspectos químicos e microbiológicos em fornos tradicionais. Revista Brasileira de Gastronomia e Ciência dos Alimentos, v. 4, n. 2, p. 45–58, 2022.

 




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